09/02/09

Ermelinda e as laranjas

Normalmente acontecia à hora das refeições e era inevitável que dava polémica. A minha mãe era uma defensora de Salazar, já o meu pai pertencia àquele grupo que viu alguma esperança na primavera Marcelista. Para a minha mãe Salazar era o salvador de todos os problemas dos quais ela muito bem se lembrava tendo nascido em 1922. A Salazar devíamos a ordem e o restabelecimento dos bons costumes e das finanças públicas, a proibição do escarro na via pública e da falta de calçado na rua e a renegeração do descalabro em que o país vivia. E por ali continuava contando as mais diversas histórias que eu e todos os portugueses filhos de mães como a minha conhecem. Já o meu pai, retorquía, imitava a voz fininha resmungava e chamava à baila o "botas". Para ele, há muito que "o botas" devia ter tido a cadeira milagrosa à mão. Ele, o meu pai, que havia nascido em 1926 e tinha tido apenas uns dias de liberdade democrática e liberal antes do reviralho. A coisa às vezes complicava-se, a minha mãe ficava ofegante, o meu pai troçava, contava as histórias de como o pai dele escondia os liberais no alçapão da chaminé da outrora casa da família na Rua de Sta Catarina e os levava pelos túneis que ligam a baixa portuense. Eu olhava divertida porque as coisas não pareciam bater umas com as outras, encantada com as histórias do meu pai, e já sabia que tudo terminaria no momento em que a minha mãe dissesse "Ó Ermelinda trás as laranjas e não te esqueças do arroz doce!".
Por isso, quando ontem assisti ao primeiro episódio da "A Vida Privada de Salazar" , tudo me pareceu uma aberração, até ao momento em que alguém disse "Ermelinda olha as laranjas" e gabou o arroz doce no jantar dos Perestrelos. Um pouco mais tarde perante o suor de todos nós, eis a cena da perna vestida de fato e dum sapato que ainda não era bota, mas que já travava a laranja que corria do quarto. Eu não pude deixar de dar mais uma gargalhada e de pensar o que diria a minha mãe se estivesse ali ao lado a ver um Salazar que de repente nos querem impingir sem orgulho ou preconceito.
Fotos: Internet, Correio da Manhã

6 comentários:

Mike disse...

A Senhora Sua Mãe não diria nada, menina GJ. Dava-lhe um raspanete daqueles à antiga. Nem Salazar a safava. (riso abafado)

Lina Arroja (GJ) disse...

Eu penso que ela teria ficado engasgada com as cenas ... (risos) e se tivesse visto a cena do Salazar a pintar a unha do pé da bela acompanhante ainda mais.
Mas com o meu riso...seria outra história...;-)

ana v. disse...

A série é inacreditável... querem impingir-nos um Salazar Don Juan que nunca existiu! A começar pelo tremendo erro de casting que é o Diogo Morgado... please!

Lina Arroja (GJ) disse...

O Diogo Morgado foi uma escolha inacreditável! Ele até consegue passar alguma química, mas é igual em todas as interpretações. Depois da "Vingança" estou sempre à espera de ver entrar a Lúcia Moniz...

Ricardo António Alves disse...

Não vi e não gostei.

Lina Arroja (GJ) disse...

Nem valia a pena ver. Fez bem, RAA.