10/04/09

Tempo de Quaresma

Tive, como a maioria dos portugueses, uma educação religiosa com todos os actos litúrgicos que o dever ou a fé assim o exigiam. Comecei pela Catequese, seguida da Primeira Comunhão, da Profissão de Fé, do Crisma e de vários retiros que basicamente serviam para encontros entre jovens da mesma idade supervisionados por um padre de preferência moderno e uns tantos leigos que serviam de ajudantes. Naquele tempo ir à Missa era um assunto sério para os mais velhos, pais e avós, e um divertimento para os mais novos. Não me parece que alguém pequeno fosse à Missa por fé mas apenas pelas cores, pelo cheiros, pela música e pelos rituais revestidos de misticismo.
Assim, desafinei no coro da Igreja, tive namorados, fiz escapadelas ao Cinema Império e amizades que ainda hoje mantenho. Conheci gente que passava por casa dos meus pais como Bruto da Costa ou Vassalo e Silva e aprendi que era importante olhar para as pessoas, aprender a gostar delas e dedicar-lhes algum tempo. Visitei hospitais e fiz companhia a gente idosa, participei em Vendas de Natal e ainda hoje tenho histórias para contar. Depois, havia outras coisas igualmente interessantes. Os sacerdotes que enchiam as Missas estão hoje quase todos casados, o que deverá querer dizer alguma coisa. Os grupos de intervenção e acção social considerados pouco recomendados para filhas de família, como a JOC (Juventude Operária Católica) estão dispersos o que também deve querer dizer bastante. O cerimonial religioso associado à Quaresma não atrai muita gente e a Missa de Domingo de Páscoa muito menos. Apesar de também eu ter deixado de aparecer, continuo a recordar com gosto as Igrejas vestidas a rigor, a Procissão do Senhor dos Passos e as varandas que se enchiam de colchas e ornamentos, significando respeito e recolhimento, paixão e redenção. Se era pela fé, pela tradição ou por obrigação não sei, mas tenho pena que não se continue a fazer esta paragem, tal como tenho pena que este tempo se tenha tornado, a exemplo de outros, apenas de guloseimas e sol e muito pouco de reflexão e compaixão.

14 comentários:

ana v. disse...

Também fiz todo esse percurso, GJ. Fez parte da minha formação como pessoa, e não só da formação religiosa. E se hoje desvalorizo os símbolos, que deixaram de ter qualquer importância, a verdade é que os ensinamentos estão cá e valem muito. Foi sob a "batuta" desses símbolos que aprendi muito sobre carácter, honestidade, humanismo, compaixão. E também sobre alguma hipocrisia, fragilidade e incoerência, mas foi para isso que recebi um cérebro e o uso. Para distinguir o trigo do joio, em liberdade.

Na casa da minha infância havia (e ainda há) um "Passo" obrigatório da procissão do Senhor dos Passos. Tudo parava à nossa porta, com grande pompa e circunstância, e todas as janelas eram engalanadas. Eu e as minhas irmãs éramos vestidas de anjinhos (juro!) e mais tarde seguíamos também na procissão, vestidas de "Verónica" (levar o sudário era uma honra especial) ou então de "três Marias".

Acho que o que nos faz saudades nessas memórias é, sobretudo, a nostalgia do que éramos nessa época de inocência e descoberta. Este post lembrou-me tudo isso.
Boa Páscoa, GJ! :-)

Lina Arroja (GJ) disse...

Tem razão, Ana. É a nostalgia dessa inocência que nos toca nesta época. E é bom que tenhamos ganho cérebros e que possamos recordar com saudosismo e razão.
Boa Páscoa também para si!:)

Mike disse...

Curioso... para além das diferenças culturais e educacionais, nascer num continente diferente fez com que nunca tenha vivido o que descreve, GJ. Nem mesmo as amêndoas e as guloseimas chegaram a entrar na minha realidade pascoal. Vou ficar por aqui, não vá alguém pensar que sou um ser de outra galáxia. ;)
Gostei de ler essa experiência tornada post. E de ler o comentário da Ana. :)

Lina Arroja (GJ) disse...

A minha segunda nora "to be" nasceu e cresceu em Cabo Verde e apesar das semelhanças serem muitas, há rituais que pura e simplesmente não fazem sentido e estamos a falar de Ilhas próximas. Imagino que estando mais distante, as diferenças se acentuam.
Mas há outras experiências que muito gostaria de ler se o Mike quiser partilhar, mesmo que fossem, mas não são, de outra galáxia.:-)

Ricardo António Alves disse...

Eu sou um produto do anticlericalismo tradicional. Os homens eram cépticos e a-religiosos, até. As missas eram deixadas às mulheres; estas, tementes ao seu deus, cumpriam lá as suas obrigações. Houve casos, no tempo dos meus bisavós, de baptismos e comunhões feitos cuidadosamente à revelia do pai.
Eu, porque fui criado pelas mulheres, lá tive direito a um (bom ) colégio de padres.
Sou francamente ateu, mas não ateísta (tenho mais que fazer); e sinto cada vez menor tolerância pela acção da igreja institucional (a padralhada, no vivo dizer dos meus avoengos...).
Mas, enfim, a Igreja nos templos, para quem quiser lá ir, e nós cá fora, deixados em paz.

ana v. disse...

Volto para dizer que já não vou à missa, a não ser quando é de obrigação (enterros, casamentos e baptizados) mas conservei e cultivo o hábito de entrar numa igreja (estão vazias, quase sempre) sempre que preciso de pensar, com calma e sem interferências, em alguma coisa importante. E faz-me bem, quase sempre.

Lina Arroja (GJ) disse...

Muito interessante o que diz,RAA. Especialmente, quando fala dos actos à revelia dos homens da família e que as mulheres por medo a Deus e respeito à padralhada iam fazendo.
Também a sua educação num colégio de padres que terá sido bom em educação e princípios morais mas que o deixou ateu tal como os seus antepassados homens.

E somos nós que tivemos estes ensinamentos, que nos tornámos mais críticos com a Igreja institucional porque conhecemos os dois lados. Apesar disso, continuamos a tradição. No meu caso não hesitei em colocar os meus quatro filhos num Colégio de freiras. E até já ouvi o meu filho dizer que a minha neta seguirá o mesmo caminho.
E agora pergunto, se também ele é critico e na altura criticava o pesadelo da missa diária antes das aulas, porque razão quer prolongar o que teve?
Uma certeza tenho, a formação escolar e humana é boa, e a captação de seguidores escapa na Igreja, mas deixa-nos marcas para a vida.

Lina Arroja (GJ) disse...

Ana, eu também só frequento a Igreja nas mesmas circunstâncias ou em visita a monumentos. Mas o gesto de recolhimento e de meditação continuam a ter esse lugar no meu subconsciente. E é isso que eu sinto que nunca perdemos e que de alguma forma gostaríamos de recuperar, nem que seja uma ou duas vezes no ano.
Provavelmente essa já será uma parte da missão cumprida acreditando-se ou não.

Luísa A. disse...

Não fiz o vosso percurso completo, GJ e Ana, porque, lá pelo terceiro ano da catequese, a miudagem fincou-se na revolta e os meus pais condescenderam. Mas continuámos a ir à missa aos Domingos. O «grito do Ipiranga» relativamente a rituais só se deu mais tarde, em plena adolescência. Já o sentido religioso se tem mantido, embora em mutação. Tenho pena de que se percam algumas tradições. Não só por elas mesmas, pelo cerimonial e pelo espectáculo, mas porque nos interpelavam, nos forçavam a analisar as coisas, a procurar uma verdade, a distinguir o essencial do supérfluo e o trigo do joio de que fala a Ana. O que lastimo nestes tempos é a aparente falta de espiritualidade.
Uma boa Páscoa! :-)

Lina Arroja (GJ) disse...

Espiritualidade, nem mais!
Boa Páscoa, Luísa.:)

Ricardo António Alves disse...

Ah-ah!... Também os meus quatro filhos estudaram e estudam num colégio de freiras... Obviamente que não vou entregá-los à bandalheira do ensino público, (infelizmente para o ensino e para a minha carteira...)
Resta-me dizer que não interfiro com a sua crença ou descrença. É assunto deles.

fugidia disse...

Bom, e eu que também sou de outro continenete (mas talvez porque mais nova ;-) ), fiz todo esse percurso do baptismo, catequese, 1.ª comunhão, grupo de jovens, profissão de fé, crisma e (apenas) um retiro (há pouco mais de um ano, que me fez muito bem).
Deixei de ir à missa regularmente (há cerca de dez anos) apenas porque não tenho paciência (que heresia!...) para a maioria dos padres e suas homilias.
No retiro, dirigido por um Jesuíta cheio de sentido de humor e de finura intelectual percebi que já não me basto com o suficiente ou com o bonzinho: quero a excelência. O pior é que a preguiça muitas vezes vence a vontade de ir ter com ela...
Perdi o contacto com a ritualidade comunitária. Mas sinto-me, sempre me senti, crente e com fé.

E sorri ao lê-la, Grande Jóia :-)
Uma excelente Páscoa para si e para a sua família.

fugidia disse...

*continente :-D

Lina Arroja (GJ) disse...

Fugidia, os mais novos voltam a interessar-se pelos assuntos da fé e da religiosidde. O regresso às origens mas com a virtude do debate intelectual que no meu tempo não havia. Por isso muitos de nós abandonamos a Igreja e deixamos de lhe ver qualquer sentido, desacreditando em quase tudo. no momento em que nos debruçámos sobre os ensinamentos da fé e a verdade do dia a dia.
A participação não se fazia por convicção ou procura própria mas apenas por imposição familiar.
O interesse que tem vindo a crescer em vários países é notório e deve ser um tema a repensar.
Boa Páscoa, para si também:)