08/12/09

O morto

O morto já era morto antes de ser. Claro que à volta dele todos faziam de conta que nada se passava ou seja, falavam como se o morto já estivesse morto há uns dias. O tempo em que o morto tinha palavra sobre os seus assuntos tinha um tempo que já era morto. O morto mal tentava abrir a boca para dizer alguma coisa viva logo lhe calavam a voz com um olhar que o podia matar. O morto estava mais vivo que todos os outros, mas morria de cinco em cinco segundos com a capacidade mortífera das palavras dos que o queriam morto. Pelo caminho levantava uma perna, depois um braço e perante o espanto daqueles que o tinham retalhado, o morto continuava de carne e osso a ouvir as palavras que lhe matraqueavam o cérebro. O problema é que também o tentavam aterrorizar com sábios venenos a quatro estações. Até ao dia em que o morto decidiu matar todos os vivos e constituir uma comunidade em que aparentemente todos estavam mortos e podiam falar livremente dos vivos que se mantinham mortos.

3 comentários:

ana v. disse...

Um texto letal, GJ... gostei.

Lina Arroja (GJ) disse...

Há tantos mortos vivos e vice-versa...não é, Ana?

ana v. disse...

É mesmo. E ainda dão cartas aos vivos-vivos, tantas vezes...