20/05/10

Lidar com o cancro II

Um dia logo no antes de, um médico precioso que me acompanha há anos, disse-me que eu iria passar muitos momentos a sós, viveria comigo e que deveria estabelecer metas pessoais. Dias sozinha com os meus pensamentos, com as minhas coisas e sem necessidade de as comunicar. Um dia, não há muito, esse momento chegou, tal como o mau bocado de que este amigo me falou. Por muito que os que nos rodeiam nos conheçam, não é possível partilhar alguma da solidão que toda a doença obriga. A constatação das limitações é acompanhada de uma raiva que não tínhamos antes e há dias em que nos sentimos mais cruéis. A nossa capacidade de aceitação está, em princípio, relacionada com a nossa índole moral e é como se os outros tivessem de nos dar especial importância só pelo facto de nos considerarmos pessoas merecedoras. O que não deixa de ser extraordinário, se nos recordarmos dos momentos em que a palavra doença nos parece abominável e o coitadinho pior. Num todo, uma parafernália de sentimentos contraditórios podem surgir num só dia. Por isso, viver um dia de cada vez é o jargão mais usado pelos doentes e familiares. Nos dias que começam no pós de, a vida depende de muitos factores. Uma sessão pode ter corrido melhor, os fármacos podem ter sido mais generosos ou os antidotos mais poderosos. A nossa receptividade melhor ou pior e a nossa curiosidade com maior ou menor graça. A leitura é uma das nossas armas e a melhor fonte de combate contra o cansaço, o enjôo, a lágrima, os altos e baixos. Os momentos são todos diferentes apesar das sessões serem todas iguais. O "antes e o pós de" termos iniciado a quimioterapia são dois acontecimentos que nunca mais iremos esquecer, tal como os espaços e as pessoas que nos rodearam nos diferentes momentos.

4 comentários:

fugidia disse...

... (lendo, sorrindo)...

Bacouca disse...

GJ,
Também estou como a Fugidia: "...lendo, sorrindo...", pois descreve tantas emoçoes tantas lutas,que só prova que somos humanas e vamo-nos humanizando cada dia!
Beijo

Dreamer disse...

A vida é uma luta constante, cheia de altos e baixos. Não somos super-heróis/heroínas mas apenas humanos.

Lina Arroja (GJ) disse...

A vida é um feito maravilhoso, dar à vida não tem explicação e deve ser por isso que quando pressentimos que nos pode fugir, nos agarramos a tudo e a todos ao nosso alcance.:-)