julgou determinação em vez de coragem. Percorreu o tempo dos
tempos e preparava-se, agora, para o julgamento final. Deteve-se
sobre o passado, fincou os cotovelos nos joelhos e sentando-se no
cadeirão que há anos o esperava, equacionou a sua existência. Esta,
ali a seu lado, estava disponível como nunca o havia estado e foi
assim que o caminho começou.
No início, havia sido a descoberta, sem tempo para ser analisada,
sem vontade para sentimentos propícios a esquadrinhamento, em
gostos ou outros, a vida surgia sem simpatia ou empatia pouco
importando o que dele se pensasse, quem lhe estava próximo ou que
um dia lhe havia querido bem. Afonso, tinha decidido espezinhar o
passado com o batente e na calçada.
Construiu o império da sabedoria em livros e viagens, fortificou o
isolamento nas palavras escritas por outros e, algumas, por ele
pensadas para outros absorverem. Aparentemente indiferente, foi
levando a crítica e a assombração nos ombros, carregou horas de
desconforto emocional na jaqueta do absurdo. Seguiu com olhos
cerrados, comprou ódios e guerras, chamuscou e isolou ao seu redor.
Agora, à beira dum dia final, encontrava-se naquele pórtico, pernas
dobradas, cabeça inclinada. Buscava redenção, questionava o
caminho, refletia sobre fé e destino, nascimento e origem. Sentia o
sussurro da dúvida: poderia o homem afastar-se do seu nascimento?
Seriamos capazes de edificar longe do caminho arraigado àquele da
nascença e da tradição? Poderia um homem renascer das cinzas
rejeitadas ou ficaria nele um irremediável e escondido hipócrita?
Fazendo o exercício das parcelas, colocou dum lado o Afonso
profissional, do outro o intelectual e ainda o emocional. O primeiro,
brilhante no sucesso do negócio, superou a concorrência. O segundo
embevecido com a sua superioridade, alimentou vaidades na
conquista de adeptos para teorias inviáveis ou improváveis. O
terceiro, empenhou-se em argumentos de loucura assinalável e
conspiração intelectual.
Os três possuíam células que dando início a mutações podiam
transformá-lo num mentiroso, num velhaco, num ardiloso ou num
hipócrita e logo a seguir num interessante ou num paulatino cidadão.
Afonso, cogitava nestes aspectos da sua personalidade, não querendo
que um sobressaísse ao outro. Acreditava que tendo sido um
exemplar amigo de si próprio, também tinha sido um intelectual
honesto, um profissional orgulhoso e um portador de boas emoções.
Achava-se sem emenda ou correção, suportava o alheio e amava-se
mais do que a qualquer um. Aquele corpo vaidoso aguardava o
reconhecimento da sua genialidade. Continuava sem entender o seu
lugar no mundo. Fechou os olhos sem lugar para enaltecimento e
espreitou-se um velhaco enganador.