16/11/09

Sabor de Maboque

Acabei de ler o "Sabor de Maboque" da Dulce Braga. A "cria" como ela lhe chama é o resultado de um tempo fora do tempo e da época em que tudo estava de pernas para o ar. Havia vários graus de pernas para o ar, mas o que é certo, é que no dia seguinte apesar da reordem estava tudo outra vez de pernas para o ar. Os dias passam a ser vividos um a um e este é o relato duma vida que a guerra amadureceu antes do tempo. O maboqueiro tem um fruto que eu desconheço, mas que este livro me ensina no seu cheiro. O detalhe da escrita da Dulce é um dos seus pontos fortes, bem como a urgência que transmite ao leitores. O ritmo do livro, também, por ser vivido hora após hora, permite interiorizar os sentimentos da adolescente, dos seus sonhos e até de alguma infantilidade posterior. A autora inicia o seu relato, recuando no passado até onde podia lembrar-se. A necessidade de passar ao leitor factos assinalados e reconhecidos contribui para uma melhor compreensão da narrativa. Transmite, no entanto, rapidamente para o visitante que entra na sua alma uma sensação de reconforto e irmandade. As experiências vividas naquele período da história de Portugal e suas ex-colónias, tem de ser compreendida e reposta aos olhos de todos nós. "Sabor de Maboque" consegue criar um sentimento de insegurança e desespero em que a rapidez do anoitecer é igual à necessidade de ter o amanhã de volta para outro dia ultrapassar. Se no início dos capítulos encontramos uma autora completamente brasileira, com o decorrer do tempo memorizado, o português assume a sua forma tradicional em frases e estilos da escrita. Voltando a ser sabiamente intercalado com o presente, este é um livro que só podia ser escrito pela Dulce Braga e nunca pela Dulce Tavares. A primeira vive hoje em paz e foi nos Braga que encontrou os momentos de tranquilidade para pegar no passado. A pequena Dulce que se preocupava com o Pedro Dias não tinha maturidade para o fazer. A pessoa transformada pela alegria de uma sociedade aberta e cheia de luz, fez dela uma mulher a par do seu tempo e refeita dos seus males escondidos. Esta é a autobiografia de um tempo não perdido mas achado. Parabéns Dulce!

8 comentários:

fugidia disse...

Excelente crítica, GJ.
Já vi que tem que fazer com a reforma (risos abafados)
:-)

Lina Arroja (GJ) disse...

Fugidia, estará a meter-se comigo?:)

Anónimo disse...

Já tenho o livro, mas ainda não arranjei tempo para o ler. Esta sua análise, redobrou-me a vontade de o ler rapidamente. Talvez em breve, na próxima semana, num avião rumo ao Sul

Lina Arroja (GJ) disse...

Carlos, espero que além da leitura nos delicie com as suas crónicas do Sul.

Dulce Braga disse...

Um grande diamante a mim doado por uma Grandejóia!
NDAPANDULA GJ :)
Fez minha segunda feira que foi tão intensamente nervosa, em meio a uma série de compromissos com horários marcados, num transito paulistano caótico e estressante, terminar de forma doce e suave

Lina Arroja (GJ) disse...

Dulce, ainda bem que gostou.:)
E eu sei o que é esse transito paulistano...Sabe que cheguei a estar em Atibaia no Bourbon e bem pensei em si. Dali a Campinas era uns minutos, mas foi tudo muito a correr.

fugidia disse...

Nops, GJ, estou a dizer que gostei de ler a sua crítica, que corresponde ao que senti ao ler o livro e que a GJ, em tempo de reforma, não tem mãos a medir se decidir dedicar-se à crítica literária!
:-)))

Anónimo disse...

A viagem vai ser tão rápida, que nem vai dar tempo para saborear, GJ