Não gostamos de ser diferentes e raramente nos impressiona quem chama a atenção. Gostamos de ser discretos e se possível passar despercebidos. Temos medo de incomodar, de dar trabalho, de pedir o que na maioria das vezes nos pertence. De tal forma passamos os dias sem querer dar trabalho que quando nos acontece o imprevisto, ficamos baralhados, atarantados e com falta de confiança. Duvidamos de nós e dos outros. Gostamos de ser independentes com pernas e braços para chegar. E como o país e as cidades são reflexo deste desejo, encontramos limitações que , convencidas das nossas dúvidas, nos atiram para o canto da desilusão. As barreiras arquitéctonicas são uma constante e as sociais uma realidade. Daí que quem perdeu a mobilidade se sinta cada vez mais preso ao seu chão e com pouca vontade de se inteirar de outros passeios. Com o tempo vamos perdendo o ímpeto de sair, habituamo-nos a condicionar o desejo e a vontade e vamos deixando luas paradas na nossa vida. O quotidiano instala-se sem graça, sem luz, sem aflições e contradições. Somos impedidos de visitar o presente e o futuro aconchega-se no passado. Podemos, quem sabe, fazer diferente, não nos rendermos ao comodismo da mente e passarmos a viajar mesmo que as pernas sejam metade e os braços estejam dormentes. Podemos pedir a quem nos quer bem que nos ajude a encontrar a força, os meios e a capacidade locomotiva.
Ralph, era um diplomata chinês muito alto,que conheci no início dos anos oitenta no Canadá. Tinha sensivelmente a idade que eu tenho hoje, era casado com uma francesa, a Marie, consideravelmente mais nova. Não tinha filhos, tinha amigos e pertencia a um grupo de gente que se reunia todas as semanas para jantar, conversar, passar um ou outro fim-de-semana num lago perto de casa, ir ao cinema e ao teatro e jogar ping-pong. Quando o conheci, Ralph tinha amputado a perna direita ao nível do joelho, mais tarde continuou o procedimento até à coxa. Seguiu-se a perna esquerda. No início a cadeira de rodas era o seu transporte, depois os braços de um amigo. Ralph, nunca deixou de se juntar a nós por preconceito ou pudor de incomodar . Ralph, participou até a idade e a sua condição física o permitir. Os amigos sentiam-se privilegiados com a sua presença e eu estou certa que ele também assim pensava. Por isso, Bacouca, as pernas e os braços ficam ou vão até onde a mente e a aventura nos levar.
17 anos
Há 4 meses
6 comentários:
Que história bonita, GJ! Esse seu amigo era um herói. Passamos a vida a desistir... Embora não esteja impedida de andar, refugio-me cada vez mais em casa, no meu casulo. Obrigada por me ter chamado a atenção.
Minha querida e especial amiga!
Lindo, lindo e verdadeiro o seu post.
Tenho uma amiga aqui onde moro que também está numa cadeira de rodas. E faz tudo que sua mente permite e deseja.
Obrigada por suas palavras a nossa especial e querida Bacouca.
Beijinhos
Olá Luz, que bom vê-la por aqui.:)
Verdade, Dreamer.Por vezes somos heróis sem o sabermos.
GJ
Como descreve tão bem os sentimentos e os pensamentos de alguém com mobilidade reduzida.
Comoveu-me a história do seu amigo Ralph e o sua determinação! Eu acomodei-me ao facto de não sair mas simplesmente porque a minha concha começou a fechar-se.
Mas na verdade, GJ a pernas e os braços levam-nos onde a nossa mente quiser e eu felizmente ainda não parei de sonhar, mas não pode ser sentada!
Fico muito comovida com as suas palavras amigas e tão encorajadoras. Bem haja!
Beijo sentido
bacouca, marque essa viagem adiada ainda hoje. Beijo
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