20/11/19

Benjamim, o embondeiro

Meu nome é  Morena, tenho a pele lisa de rugas, sou alta e esguia, tenho carapinha e gosto de olhar o mundo. Nasci em terras longínquas,  no calor de uma noite mansa. Minha mãe disse-me, que ao invés do que é habitual à  nascença, primeiro sorri e só depois chorei, saboreando com ela aquele  momento. Talvez, estivesse a olhar a terra e o céu africano com deleite. Sem nada saber, fui feliz, como só sabe quem lá nasceu e viveu, mesmo que por pouco tempo.
Naquela época, os anos de seca, ainda, eram camufladas pela exorbitância da natureza. Os animais corriam selvagens e enormes  na planície e bebiam juntos nos riachos, refastelavam-se nos lagos, alimentavam-se de frutos, plantas e os de maior dimensão de outros animais de pequeno porte. Não havia censura e os embriões das diferentes espécies cresciam serenos e no conforto da savana.
A floresta era grandiosa. Perto da minha casa, o embondeiro era a personagem principal. O seu imponente  tronco podia ser a minha casa. Era, seguramente, a residência de   muitos bichos que à noite se faziam ouvir. Lembro-me do elefante  que era o único que conseguia chegar e sacar as frutas dos seus altíssimos ramos.
Antigo, porque não tinha idade certa, aquela árvore transmitia a sabedoria de muitas gerações, que sem pressa, nos contavam as suas histórias e eram um ponto de encontro para as cerimónias tradicionais e religiosas. Acreditávamos que quem fosse enterrado junto ao embondeiro, mantinha a alma viva enquanto a árvore permanecesse  frutuosa.
O embondeiro que abrigava e protegia  a minha família até tinha nome próprio, chamávamos-lhe Benjamim. Ele acompanhava as mulheres bem antes da  nascença.
No meu País, acreditamos que   o embondeiro é a árvore da vida. Juramos também , que as meninas se tornam mulheres ao som das vozes que vêm do interior daquele tronco, porque ele guarda a sabedoria de todas as gerações de  mães, de avós, de tias, de irmãs, de mulheres sábias. E depois, sempre que nascia uma criança as mães prestavam homenagem a Benjamim, primeiro, no momento do embrião e logo a seguir no agradecimento da nascença. Muitas vezes, ele era o parteiro que assistia e agasalhava.
O embondeiro Benjamim tem altos ramos encaracolados que nem carapinha. Não se desfazem com a noite, nem caem com a madrugada, antes, o transformam  num esbelto e voluptuoso ser com alma, que sussurra levemente, como que falando com as estrelas. De tão alto e vigoroso, acredito  que  fala com os pássaros gigantes que levam nas suas asas as promessas, as paixões, as vontades e as desgraças, e que transbordando  o firmamento rumam para outras galáxias.
Um dia, também eu voei e trazendo comigo a sede africana, fiz-me investigadora e amante de muitas  árvores. Então, descobri que a floresta havia moldado a civilização e que, para além de contar histórias, a  sua madeira era comercializada. Combustível, navegação, indústria, fábricas de serração, agricultura, arte e decoração, e tantos sectores embrionários do desenvolvimento das cidades, dos países, das nações. Transformando-se o meu embondeiro num sem fim de partículas com maior ou menor racionalidade económica, pensei, então, que a minha terra africana podia utilizar este conhecimento e através da  sabedoria Harambé que significa todos unidos,  dar voz a projectos e a iniciativas locais. Dar a África e às mãos morenas, a capacidade de decidir o seu destino. Não deixando que a sede da terra possa destruir o crescimento da floresta e dos animais. Porque as árvores podem ser alimento através do seu fruto e da sua seiva milenar, não deixemos que a nossa mão as destrua.
Chamo-me Morena e nasci num país de terra vermelha. Cresci debaixo dum embondeiro que tinha a fama de ser milagroso e casamenteiro, que tem vida e que pode contribuir para o crescimento ecológico e sustentável. 

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