Passado o momento da aceitação e da luta contra o mal, surge a necessidade de viver a doença em liberdade. E porque tudo o que é postiço cansa, a peruca torna-se um fardo que apesar de nos por bonitinhas e capazes de enganar qualquer um, só nos apetece atirar ao mar ou ao rio mais próximo. Daí que, a liberdade sentida no meu terraço a deslumbrar o mar, com a brisa matinal a tocar-me o rosto e os raios de sol a acariciar a careca mesmo que por alguns minutos, represente um dos momentos mais deliciosos de liberdade em doença. O cancro é uma doença que não é nem melhor nem pior que outras, tem a maçada de poder ser terminal, mas tirando esse aspecto que também é comum a outras doenças, não é assim tão difícil de lidar. No início a luta é investida com imensa garra, a capacidade de traduzir essa força é um combate e fazer de conta perante os outros é um dos aspectos que nos permite dominar uma situação sem domínio. Com o decorrer dos tratamentos e sessões o nosso dia-a-dia gira em torno dum ciclo. Cada x semanas, no meu caso três, tudo se repete e o cansaço atinge-nos psico e animicamente. E é aí, que a necessidade de viver a doença em paz e liberdade se revela como uma necessidade e também como uma arma para a cura em remissão. O caminho torna-se agora uma estrada em que a opinião dos outros não nos interessa e em que a nossa capacidade de acção se resume àquilo que nos apetece fazer. E este apetecer pode ser apenas olhar o mar ou ficar sentada no terraço com um livro no colo durante uma manhã ou uma tarde. A liberdade é um bem precioso em todos os sentidos e fases da vida e que eu estou, felizmente, a poder viver.