(Imagem Graça Morais)
Parecem viajantes, deslocam-se com malas de médio porte em passo lento pelas calçadas. Assim de repente, ficamos com a ideia que pelas cidades passeiam ora jovens de outras nacionalidades com mochilas e rolamentos, ora gente de meia-idade à procura de alojamento. Em Londres, por exemplo, é normal a correria entre metro, combóio e autocarro, casa ou emprego com as malas pelo caminho. Logo pela manhã, o passo apressado que se verifica nos passeios da cidade, é acompanhado por pessoas que saem com destino marcado, seja uma estação de combóio, um aeroporto ou apenas mais um dia de trabalho. Por isso, quem habituado a uma vida de correria entre pontos de encontro observa cidades, não lhe parece estranho ver gente arrastando malas rua acima rua abaixo. Quando o olhar se cruza com quem se desloca ou nos deparamos com quem a dada esquina ou montra de loja conversa com outro viajante, verificamos que afinal a mala é a casa e o viajante vive acompanhado pelos seus pertences, almoça ou janta no albergue mais próximo, veste roupa lavada e usa as facilidades sanitárias dos banhos públicos ou casas de apoio e de solidariedade ao dispor. São reflexos dos tempos, escolhas de outros, dizem alguns, são os viajantes sem tempo, eternos andantes de um lado para o outro, com medo de morrer num lugar onde nem os cães os encontrariam. São os desconsiderados pela família, pelos vizinhos, pelos conhecidos, são os corpos castigados pelo sistema que, hipocritamente, por eles vai zelar e que no final lhes penhora a mala ou a vida. São pessoas que têm cara lavada e roupa a condizer e que no Portugal, supostamente ainda solidário, nos parecem apenas viajantes.
A morte da idosa abandonada há nove anos num apartamento perto de Sintra, vem de forma abrupta por em causa a ética social em que vivemos e para quem a palavra dos vizinhos não bastou e a falta de respeito da família levou à execução fiscal. Tivesse a pobre senhora feito parte dos viajantes com mala a reboque e, muito provavelmente sem querer tal sorte, ainda contemplaria a vida pela janela duma ilusão mais consoladora.
Escolher é um direito, optar por uma escolha nem sempre é igual a estar melhor, mas é seguramente um dever de todo o cidadão e um direito duma sociedade democrática. Pensemos, então, no que podemos fazer para evitar casos semelhantes e olhemos menos criticamente para esses viajantes que, não tendo casa, vivem de forma errática pelas cidades.
1 comentário:
Aflige-me este correr para lado nenhum!
Este tempo sem tempo, que nos sufoca!
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