23/04/09

Técnicas de experimentação curricular

Quando eu era pequenina... a escola era até à 4ª classe. Nessa altura tínhamos comboios com carruagens de 1ª, 2ª e 3ª. A diferença estava no preço em primeiro lugar, e na classe social em segundo. Raras eram as pessoas que podiam viajar em 1ª. A segunda estava reservada à grande maioria, tinha os bancos mais escuros e menos confortáveis, mas uma pessoa decente podia viajar confortavelmente. A 3ª classe era um cheiro a suor e lágrimas de trabalho, má higiene financeira e cultural. Em todas se podia fumar e as janelas permaneciam abertas ou fechadas consoante a carruagem. Isto era nas cidades porque no campo não havia estes transportes, a escola era esquecida e bastava aprender a ler e a fazer contas. Como esta parte se aprendia até à segunda classe muitas pessoas abandonavam a escola na terceira e começavam a trabalhar no campo ajudando os pais e contribuindo para o bolo familiar.
Quando eu fui crescendo, as criadas vinham da aldeia e viviam connosco como parte da família só regressando à terra anos depois para uma visita, e nunca querendo voltar à parvalheira sem um pé de meia para mostrar. Pelo caminho pediam a alguém, normalmente a uma de nós, para lhes escrever aquelas cartas que invariavelmente começavam assim, " Minha querida e saudosa mãe, espero que ao receberes desta se encontrem todos de boa e perfeita saúde que eu por cá tudo bem" e que terminavam também desta forma. "Desta tua querida e saudosa filha...Armandina". Esta era uma época em que nas aldeias havia agricultura que alimentava as gentes da cidade e pobreza de subsistência para os que ficavam.
Quando os meus filhos nasceram, a escola ia até ao ciclo, mais tarde sexto ano e passou a obrigatória até ao nono ano num instante. Se antigamente a escola era para aprender, com os anos passou a ser mais para passar o tempo. Os comboios têm agora 1ª e 2ª classe não se pode fumar, as janelas estão fechadas. O que diferencia a 1ª classe é o prazer do ar condicionado e outros pequenos confortos que podem ou não justificar a diferença de preço.
Ontem, o Primeiro Ministro anunciou que a escolaridade obrigatória vai passar para 12 anos e que o Governo quer estudantes na escola até aos 18 anos. Ser estudante passa agora a ser para os meus netos uma profissão, porque antevejo que a licenciatura passe a obrigatória num ápice. No fim de contas mais três anos de um curso para a profissão estudante estará perfeito e devidamente testado para criar novos profissionais. Calculo que os comboios sejam todos TGV e que as aldeias não sejam necessárias porque a Agricultura Vertical já estará em Portugal.
É claro para mim, que ninguém vai ter emprego porque os estudantes vão continuar a ter de se reciclar para as necessidades empresariais. Vamos nesse momento passar a ter motoristas de táxi com formação em engenharia mecânica e estão agora criadas condições para escrever cartas com erros sem qualquer importância mas com a importância do diploma na mão.
A minha pergunta que deve ser muito tonta é ? Se eu já vi este filme há 30 anos nos países que adoptaram estes sistemas e que já estão a corrigir o que viram ser errado, porque estamos nós agora a fazer o que outros deixaram?
Os nossos comboios continuam a andar atrasados 25 anos e ainda querem que os jovens tenham "uma filosofia, um ideal e um objectivo". O que eles vão querer é emprego e não têm quem esteja disposto a investir em recursos humanos que de nada servem. A resposta à minha pergunta é simples. Quanto mais tempo na escola a ver passar os comboios, mais tempo em casa dos pais, mais tempo de subsídios para as famílias e mais tempo para tapar o sol com a peneira. E no entretanto maiores possibilidades para a migração não da aldeia para a cidade mas dos outros países para o nosso. Ainda há quem duvide que somos europeus?

3 comentários:

Anónimo disse...

Levanta aqui uma questão muito pertinente. Aquilo que à primeira vista até poderia parecer uma boa medida, pode ser um desastre em termo sociais,mas não só.
Excelente análise, excelente post

Lina Arroja (GJ) disse...

Obrigada, Carlos. Também concordo que este tema não deve ser visto com ligeireza.

Mike disse...

Eu apenas não duvido que pertencemos à Europa... já sermos europeus... ;)