08/07/09

Um pedacinho

Fui à Madeira pela primeira vez em 1976. O bilhete postal era exactamente o que a ilusão da viagem me tinha segredado. A ilha linda, as flores exóticas e bem cheirosas, os ramos grandes e vistosos, o preço elevado para o turista e para o local. Vi bananeiras pela primeira vez e os cachos à porta de qualquer habitante tanto no Funchal como noutro ponto da ilha. A gastronomia não tinha nada que enganar espada preto, espadarte e atum, milho frito, batata e semilha, abóbora, espetadas e papaia, pêra abacate, anonas, maracujá e demais frutos tropicais. Bolo de mel, bolo do caco, rebuçados de funcho e vinho afamado. Os bordados, os cestos e o artesanato. O centro do Funchal mantinha as caraterísticas dos edifícios antigos, o Jardim Botânico já era um orgulho, a tradição e a passagem dos ingleses era visível. A Estrada Monumental mostrava as piscinas naturais do Lido e a cidade tinha diversão nocturna para oferecer. As Desertas estavam ao longe e em dias bons avistava-se o Porto Santo. Para visitar a ilha era necessário tempo e curiosidade, coisa que não faltava a gente de vinte anos. Os transportes eram precários, as estradas uma lástima de perigo mas lindas de emoção e um suicídio para principiantes ao volante. Eram necessários pelo menos três dias para ver e visitar. O táxi acabava por ser o transporte mais eficiente e os taxistas eram novos, conheciam os lugares certos e mostravam o que deviam. Não senti que houvesse mais pobreza que aqui nas nossas aldeias, senti que havia maior atraso nas cidades e vilas e que a Madeira era o exemplo da casa de bonecas de Portugal Continental com um cheirinho a Ultramar exótico.
Sucederam-se outras visitas e fui vendo o avanço funchalense e mais ou menos tudo igual em relação ao resto. As mesmas frutas, espetadas e bananeiras já do Alberto João. Algum melhoramento nas estradas e na saúde e muito desmoronamento nos hotéis, os mesmos pescadores e as mesmas aldeias.
Por lá devo ter deixado, quiçá em 76, ventos fortes que se estenderam pelo mar e algumas palavras que se abrigaram nas levadas. Há dias voltei numa missão diferente e juntei-me a uma comunidade que seguia o trilho da Igreja da Nossa Senhora da Nazaré. Gostei de ver uns jeans por debaixo duma batina, uns jovens com CD editado a cantar numa missa alegre e uma homilia que apelava ao espírito social e comunitário - "se quereis que as coisas boas vos aconteçam tendes de abrir a porta do vosso coração, caso contrário nicles!"- ao mesmo tempo que acolhia uma recém chegada àquela Casa.
Eu, que tinha andado com as népias, achei que este padre era castiço e que devia ser também por isso, que a ilha tem novas estradas e túneis poderosos que nos levam de lado a lado, como se estivéssemos em Itália, num ápice. Pelo caminho detive-me no Estreito que me conduziu pelas levadas de regresso ao Aeroporto com uma nova palavra. É que na Madeira, todas as frases incluem "um pedacinho" de qualquer coisa. Com o estômago ainda cheio de pedacinhos de iguarias e de um pedacinho de prazer por lá ter estado, cheguei convencida que "grão a grão enche a galinha o papo" e que o Alberto João tem sabido cuidar da sua capoeira.

3 comentários:

catarina disse...

O Funchal é o jardim do Jardim. Estive lá em 2003, e subi no teleférico para descer no carro de
verga a uma velocidade vertiginosa, sentada descontraidamente, a filmar, enquanto o marido se agarrava com todas as forças ao carro. Gostei do mercado das flores, achei os bordados caríssimos (mesmo sabendo que cada vez há menos bordadeiras),
e demos uma volta pelas novas estradas, tudo isto em pouco mais de oito horas, a caminho do Brasil.
Estive lá em 74 e percorri a ilha toda. Gostei da paisagem maravilhosa, de tudo o que ficava ainda bravio. E estive em 54, a caminho do continente, vinda de África, quando ainda não havia porto nem aeroporto. Devo dizer que gostei mais das primeiras vezes do que recentemente. Acho a ilha demasiado "turistificada". Em 2004 visitei os Açores (S. Miguel, Faial e Terceira) e adorei as estradas estreitas, as lagoas, as hortensias, as praias, os Capelinhos, tudo. Espero que não os estraguem e os deixem assim.
Um abraço.

Mike disse...

Muita conversa, muita conversa... e a Brisa Maracujá? Põe-se a escalar montanhas e depois esquece-se das coisas. (muitos risos)

Lina Arroja (GJ) disse...

Catarina,
Nunca estive nos Açores, excepto no Aeroporto da Terceira. A Madeira é um excelente destino turístico e apesar de caro tem bons pontos a favor. Do meu ponto de vista está no limite do que se pode considerar razoável sem se tornar folclore abusivo para a vista.
Gosto muito do Porto Santo que tem sido mal explorado até há pouco tempo. Com aquela praia e aquela água não precisamos de fazer 8 h de avião para Punta Cana ou outro destino idêntico.
Oxalá não estraguem, diz bem. :-)


Tem razão, Mike. Conversa fiada é no que dá, fica sempre metade pelo caminho (risos)