27/03/08

A filha da porteira

A filha da porteira chegou a doutora e os meninos dos andares de cima não acharam graça. Ela foi sempre a mais invejada pelos outros meninos e meninas, apesar deles não terem autorização para brincar com ela. Ela foi crescendo, ficou moça adolescente e eles não podiam sair com ela a não ser às escondidas. Elas, as meninas, também admiravam os vestidos que a mãe lhe fazia numa costureira ali perto.
A filha da porteira tinha um pátio para brincar, todas as noites subia as escadas de serviço do prédio e ajudava a recolher o lixo dos meninos e das meninas dos andares de cima. A filha da porteira não tinha nome era, no entanto, aos olhos dos outros a mais feliz.
Para além do pátio, ela vestia roupas ousadas, para além da recolha do lixo ela podia sair à noite e ela tinha namorados.
Um dia ela deixou o pátio, a recolha do lixo e passou a ter um nome. Foi no dia em que se sentou na Faculdade ao lado dos meninos João e António e das meninas Maria Luísa e Maria Inês. A filha da porteira deixou de ter graça e de ser cobiçada naquele preciso momento! Agora a filha da porteira comenta os escritos dos meninos do andar de cima, e como eles não sabem quem ela é, apreciam o seu estilo e pela primeira vez elogiam o seu carácter, a sua tenacidade, a sua destreza intelectual. A filha da porteira continua, sem eles saberem, a ser a mais cobiçada.
A filha da porteira que toda a vida ouviu as histórias contadas pelas criadas dos meninos e das meninas dos andares de cima, apenas utiliza o que sempre soube, mas sob a capa de figura de estilo, porque de outra forma faria figura de porteira. E isso, a filha da porteira nunca vai permitir que eles saibam. A filha da porteira, apesar de elogiada por todos, apenas é identificada pelo filho da costureira.

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