27/06/09

Discriminação

A maior parte de nós não sabe o que é discriminação e os que sabem gostam de esquecer as crianças filhas de pai incógnito e discriminadas à nascença porque a Igreja Católica não permitia divórcios, ou do tempo dos emigrantes de segunda e terceira, ou dos portugueses de classes diferentes porque nascidos nos outrora paraísos além-mar.
A discriminação faz- se das formas mais simples, mesmo que racionalmente e economicamente justificável. Casos simples do quotidiano que permitem atribuir salários diferentes para trabalho e qualificação igual feita por mulheres que não nasceram homens. Meninos abençoados que vestem marcas sem dificuldade, e outros que compram menino a menino contrafacção feita por outros meninos. Esquecemo-nos dos meninos que gostariam de estudar mas os recursos não estão à disposição. Da discriminação da própria família quando algum dos filhos é diferente, seja por orientação sexual ou por outra qualquer estranheza de atributos desajustados e impróprios pelo desconhecimento. A discriminação do passado ainda nos atormenta com palavras ditas atrás da porta e escondidas debaixo do tapete.
A discriminação não é só uma questão de cor, é uma questão de educação de mentalidades. Mas a cor da pele não é igual, os olhos ou cabelo também não, os gostos e os costumes são diferentes, e é natural que haja quem queira aprender e faça perguntas. Por isso, é bom não esquecer que nem todos assim pensam e que se não pudermos falar livremente sobre o tema, então sim, é que tudo fica igual. Há tempos uma jornalista brasileira com blogue no Expresso, dizia que nunca tinha visto um povo com tanta dificuldade em discutir o racismo como os portugueses. Eu compreendo-a, porque cada vez que tento abordar o tema muitos me atribuem intenções de preconceito. O preconceito é na minha opinião, pensar que não devemos discutir ou falar sobre todos os assuntos. Ou pior ainda, entendermos que só nós é que temos a verdade.
Assim sendo, eu concluo que ou me expresso mal, ou coloco a questão a pessoas erradas ou ainda tenho de aprender a contextualizar. Haverá assim tantos brancos no mundo? E o ponto não será ser preto, branco, amarelo ou vermelho com mentalidade cinzenta? Nesse caso, porque não querem alguns admitir que não são brancos e temos todos de fazer de conta que não existem mulatos e essa é uma questão preconceituosa ?

8 comentários:

Mike disse...

GJ, a senhora, para além de escrever muito bem, pega em assunto incómodos, o que me agrada. Este é um dos casos. E começo por subscrever tudo o que li neste post. E olhe que eu, filho de mãe mestiça, com avó materna preta (nunca me habituei à palavra negra, que tem tanto de correcto como de complexado), sei do que está falar. Episódios na mihha vida não faltam, depois de ter chagado a Portugal nos idos anos 70, que possam comprovar o que diz e tão bem escreve. Mas isso são histórias passadas e contas de outro rosário. :)

Isabel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luísa A. disse...

É porque a discriminação existe, até dentro da cabeça dos que se dizem discriminados, que hoje todo o mundo (ou quase todo) já tenta mudar o que é: as mulheres gordas emagrecem; os homens com pelos no peito depilam-se; as pessoas que não apreciam o seu sexo, transsexualizam-se; as pessoas que não apreciam a sua cor, repigmentam-se; as pessoas que não apreciam a sua cara, botoxizam-se… Hoje, já ninguém tem de morrer como nasceu. O que, significando que é mais fácil escapar à discriminação (e ao correspondente complexo de inferioridade), não significa que haja menos discriminação de princípio. Se calhar, antes pelo contrário. Se calhar, num futuro mais ou menos distante, vamos acabar todos absolutamente iguais.

mike disse...

Felizmente não viverei tempo suficiente para ver chegar esse dia, Luísa. Espero...

fugidia disse...

Ao lê-la pensei, sobretudo (preconceito meu ou a preocupação com o que me toca mais de perto? :-) ), na discriminação/preconceito perante a diferença decorrente das perturbações do espectro do autismo e outras síndromes.
E detive-me nestas duas frases: «O preconceito é na minha opinião, pensar que não devemos discutir ou falar sobre todos os assuntos. Ou pior ainda, entendermos que só nós é que temos a verdade».
Como mãe de uma menina diferente aprendi que só podemos exigir que os outros não discriminem, não sejam preconceituosos, se nós não o formos; ou dito de outro modo, se formos nós a dar o (bom) exemplo. Falando, explicando, discutindo. Com naturalidade. Desmistificando.
Mas para isso temos de conseguir fazer o luto, e essa é a parte mais difícil.

Creio que isto se aplica a todas as outras formas de discriminação/preconceito de que fala neste post, GJ (e a Luísa tem toda a razão, quando diz que a discriminação existe até dentro de quem se diz discriminado...)

alfacinha disse...

Infelizmente temos todos preconceitos e muitas vezes não davam conta que estamos a insultar.

Rita Roquette de Vasconcellos disse...

'Acessibilidade'

é importante estarmos atentos

pois, sem querer,

discriminamos

bj e obrigada pelo assunto

Rita V.

Lina Arroja (GJ) disse...

Só agora respondo aos vossos comentários que me acompanharam na reflexão de fim de semana. Obrigada:-)

Mike, os assuntos incómodos ou se pegam de caras ou não têm interesse e infelizmente ainda há muitos. Imagino que tenha um rosário cheio de "contos". Este espaço é seu para o que entender partilhar.:)

Luísa, tem razão. Os discriminados também discriminam e esta obsessão de não querer ser diferente é uma doença dos nossos tempos. O sentimento de inferioridade é uma auto-discriminação. Apesar da ciência poder fazer de nós todos iguais, a natureza irá rejeitar essa hipótese. Quando ninguém se distinguir teremos atingido o estado apocalíptico e isso nem os deuses desejam, espero!:-)

Fugidia, fiquei presa nas suas palavras. Fazer o luto da criança imaginada e aceitar o menino(a)que gerámos é o primeiro acto da não discriminação, aprender a amá-la deve ser o segundo. Falar abertamente e não ter vergonha penso que deve ser o terceiro, ensinar à criança que tudo é possível e que também tudo pode ser impossivel julgo que deve ser o quarto passo. Prepararmo-nos para um dia a deixarmos ser independente, imagino que seja a parte mais difícil. Mas essa parte, Fugidia, vale para todas as mães que sentem que todos os filhos e filhas são especiais.
Do convívio que tenho com famílias diferentes, é muitas vezes a mãe que para proteger a sua cria discrimina e dificulta a integração da criança diferente no mundo dos iguais.
E isto aplica-se a todos os síndromas e aos assuntos incómodos, como diz o Mike.

Rita, acessibilidade e barreiras arquitectónicas é o seu domínio.:) O estar atento é mais fácil quando nos toca de perto, bem mais difícil é estarmos presentes diariamente.

Alfacinha, o que diz é muito certo. Nem nos damos conta que podemos ser ofensivos.

29 de Junho de 2009 4:06