27/02/08

Cuba em revisão

Cuba pertence ao imaginário daqueles que viveram músicas e sons bem regados a sonhos de praias, sol e muitas cabanas enamoradas. Os primeiros a visitarem o país logo após o 25 de Abril de 74 em Portugal, traziam slides maravilhosos do famoso sistema de saúde pública, do sistema de ensino, da igualdade de classes, da luta pela liberdade e as fantásticas histórias de como um médico tinha tudo o que necessitava para ser feliz, os restaurantes forneciam iguarias nunca vistas - o famoso pão preto, hoje chamado, simplesmente de centeio.
Estes pioneiros de visitas a Cuba iam em viagens organizadas pela Associação Portugal-Cuba a baixos preços para agradar a todos os muitos militantes, que de repente apareceram no nosso país sem que alguém alguma vez os tivesse visto. Cuba era o modelo do comunismo, Fidel o ídolo sem crítica e Che o valentão da odisseia.
Anos mais tarde, perante a inevitável necessidade económica e a relativa abertura ao exterior levou muitos de nós a visitar o país. Como os anos nos tinham dado algum discernimento político, até viemos razoavelmente impressionados, afinal o país não estava assim tão mal. Engano! O que afinal vimos, foi aquilo que Fidel mais uma vez nos quis mostrar: as praias, os hotéis, os supermercados recheados de alimentos, mesmo que de uma só marca, as músicas e os cantores. Pelo meio, ficaram os cubanos que não podem sair livremente do seu país, os médicos que são motoristas de táxi, as professoras que fazem tranças na praia. Os motoristas têm uma formação formidável, não deve haver outro país com profissionais à altura, as cabeleireiras idem e os turistas ficam bem informados.
Com esta vontade de copiar exemplos já feitos, oxalá o meu país não venha a ter portugueses motoristas de táxi, professores e outros licenciados à medida dos profissionais cubanos. E acima de tudo, que nunca existam turistas que visitem o meu Portugal, com bilhete barato organizado por associações de países desejosas de mostrar bons exemplos.

26/02/08

Maria Marta Pianista

Naquela noite, Maria Marta tocava no lobby de um hotel em Varadero. Mais uma noite em que a pianista iria tocar para alguns, fazer de conta para outros e no final tentar vender o seu CD por cinco dólares. Maria Marta noite após noite, tocando as mesmas músicas desactualizadas e decadentes. Entre o piano e o dia seguinte ninguém saberá o que fazia Maria Marta, apenas que tocava no lobby de um hotel para turistas de luxo. Maria Marta cidadã de um país a tentar desesperadamente um momento de palco internacional.

Onde estará a pianista, neste momento que se diz de viragem? Viragem para onde? Será que de Cuba virá algum vento diferente? Ou será que tudo passará a ser cantado à laia do "Cuando sali de Cuba..."? Onde estará aquela mulher que em La Habana passeava a sua barriga de grávida, apesar da idade avançada, comovendo turistas para mais um dólar? La Habana cidade monumental, um dia recuperada pela Unesco, noutro mantida na mesma e agora, que Fidel se foi haverá mudança?

Os turistas continuarão a visitar o país com sol e praias, os pianistas continuarão a tocar, mas será que Maria Marta vai finalmente, actuar no país que deseja? E o resto dos habitantes vão ser livres de comprar o seu bilhete de avião e partir e regressar sem restrições? A ver vamos!

22/02/08

Obama

Há pessoas assim, têm ou não têm: carisma, impacto, voz, cara ou olhar, presença. Provocam e criam emoção, emitem desejos de experiências. Barack Obama é uma dessas pessoas. Desde o primeiro minuto passado num programa televisivo no início de 2007, que deu para ver que ali estava um vencedor. A partir daquele momento televisivo fiquei fã, e fiz a leitura do livro "The Audacity of Hope".
De longe a longe Obama, subscrevi o site oficial para ter notícias frescas da sua história, do seu passado. Num país que se quer de classe média, o seu gosto refinado por camisas de seda, os seus fatos e gravatas a tirar partido da sua cor de pele. Um homem bonito e elegante num país que usa maioritariamente t-shirts, deveria querer dizer alguma coisa. Concluí que Obama seria o próximo Presidente dos EUA.
Há cerca de um mês voltei a reler algumas passagens do seu livro. Nele Obama vai apresentando esperanças, reclama o sonho americano, os valores, as oportunidades, a família, a religião e a tradição. Num país que era de igualdade de oportunidades e de liberdades, e que tem vindo a transformar num país de desigualdades sociais e de medos recentes, o lema de Obama é apenas o princípio dos princípios: "We need a new kind of politics, one that can pull us together as Americans". "Values and Ideals that pull us together as Americans!". O princípio de unidade que é transversal a democratas e a republicanos.
Fosse eu americana e Obama teria o meu voto fizesse sol, chuva ou vento. Fosse dia feriado ou véspera de ponte. Há povos assim e há lideres que movem montanhas. Quem dera, que eu no meu país, também pudesse gritar - YES, WE CAN. www.youtube.com/wecan08

18/02/08

Intelectuais de Ocasião

Um dia destes irei encontrar o caminho destes escritos. Mas antes disso, quero manifestar o meu apreço por aquelas pessoas que escrevem pelo prazer e não pela escrita. Provavelmente escritores duvidosos, concerteza aprendizes de muitos ofícios, excelentes críticos e admiradores de pares iguais.
Deles, ninguém falará, são as "Daisies", são os intelectuais de ocasião. Mas são genuínos, porque nunca têm agenda e o sabor do que falam, é na maior parte das vezes para consumo próprio. A chama do olhar distrai-se na observação, o gozo dos sentidos na degustação das palavras. Um brinde a todos os meus amigos que continuam a gostar do dia seguinte, e que encontram tempo para o dizer.

O Legado de Maria Antónia

Regra geral as pessoas não esperam legados e heranças antes de alguma idade, porventura avançada. A excepção atinge aqueles que muito cedo os recebem. Ser chamado a tomar conta das tradições, dos valores, das passagens do tempo é exercício de difícil aceitação. A indolência instala-se, rejeitamos mas não podemos.
Somos a geração seguinte! A jóia mais querida do recém-nascido partiu. E, se durante anos, as lutas de palavras ajudaram a alimentar exercícios de poder e de emancipação, é na passagem do legado que o desamparo do ventre se reinstala.
Maria Antónia deixou muitas coisas e entre elas as belas jóias. Outrora admirados, pedidos e fantasiados, estão agora guardados e raramente usados, os anéis e as pulseiras, os fios e os brincos, as esmeraldas e os diamantes. O património aumentou mas o sabor diminuiu. O perú e as rabanadas também. Levaram anos até ficarem semelhantes.
A cobiça das jóias voltou a instalar-se naqueles que um dia terão o legado, e que - espero eu - também tenham de aprender a elaborar a Ceia de Natal.

17/02/08

Arrumação

Começar a arrumar é uma tarefa pouco gratificante, a menos que seja para arrumar as ideias. De tempos a tempos esta arrumação é necessária. A minha amiga que escreve em revistas conhecidas, arruma livros. Eu compreendo-a e sou solidária, é que esta tarefa leva a espaços bem definidos da nossa mente. Começamos por pegar num livro que já não viamos há algum tempo e a surpresa é como no primeiro dia em que o vimos. Ah, como gostamos de o ler, como nos entrusamos desde o primeiro parágrafo, a primeira linha, logo até pelo nome dos personagens que anos mais tarde dariam origem ao nome do primeiro afilhado.
A arrumação é uma obra de bem para acalmar o nosso espírito. Espírito que só nos dá tréguas se a associação for tranquila. O livro escondido na prateleira conduz a nossa mente para momentos e tempos passados. As recordações que imediatamente nos vêm ao espírito são a razão do controlo da emoção. É claro, que muitas vezes apenas estamos a limpar o pó das prateleiras, mas mesmo assim, essa é a parte que nos faltava para definitivamente arrumar a recordação na prateleira do cemitério.

Partilha

Eu acredito que tudo tem uma razão ou pelo menos um motivo. Ter uma ideia não é difícil, construir um projecto também me parece tarefa razoável, criar e iniciar também, o problema está na continuidade. A maior parte dos projectos fica pelo caminho. E a razão está muitas vezes na seriedade e no empenho que colocamos na ideia. A motivação pode ser grande mas a razão que deu origem ao projecto é que tem de ter fundamento, caso contrário, tudo fica inacabado.
Eu também acredito que as coisas são como são, ninguém nos consegue alterar os princípios e os fundamentos se nós não deixarmos e tivermos algo a dizer. E para termos algo a dizer, a nossa vontade tem de estar à altura da razão.
O segundo elemento está relacionado com a disponibilidade e a partilha. A disponibilidade é um conceito muito amplo. De tempo, de espaço, de meios, de nós. A partilha, essa leva a lugares ainda mais complexos. Ninguém gosta de partilhar, por exemplo um computador, se esse elemento for fundamental para dar continuidade ao projecto. Ninguém gosta de partilhar os seres que nos estão próximo se isso der origem a divórcio, ninguém gosta de partilhar o que quer que seja, e por mais que queiramos ou não, essa partilha forçada ou no faz de conta voluntário, é muitas vezes a causa maior de muita exaustão e dor.
Dividir é aquilo que homens e mulheres se habituaram cedo a fazer. A partilha faz parte dos sentimentos que estão naquela caixa fechada a sete chaves. Oxalá, continue assim por muito tempo. Temos de acreditar que o passo anda a par do compasso e que a liberdade dos agentes é inevitavelmente independente da música e a letra apenas serve para colorir o espírito do projecto.

10/02/08

A Boda e os Bobos

Entre a capela da moda e a igreja do lugar eis chegado o Grande Dia. O cónego ou o senhor padre entra seguido dos seus acólitos. Os noivos aí estão no altar, e nas alas da bela Capela sussurram bem alinhados os devotos familiares. Ouvem-se cântigos modernos cantados por artistas a convite. Mais atrás, entre ateus e transeuntes estão os assistentes.
A missa vai avançando, os fiéis vão tateando e recuando nas respostas, porque já estão meias esquecidas, porque têm pouca convicção. De vez em quando, uma criança chora, os assistentes olham para o ar admirando os "frescos" que ainda, lá continuam, os vitrais também. "olha só, já viste que bonito?" pergunta a avó ao neto, "canta filho, que as músicas são tão lindas!". Mas o neto não as reconhece. Ainda se fossem cantadas pela Shakira.
O ritual continua, os homens olham para o relógio, senta, levanta "é agora?" pergunta um. Schh... diz outro. A celebração termina tímida e frouxa para os assistentes. Grandiosa e triunfante para o Dono da Casa e seus novos convidados de luxo.
Os Bobos lá vão embora, divertidos, cumprimentando e fantasiando pelo que se segue: o jantar requintado ou o almocinho para uns, sexo e fanfarra mais tarde para outros. As jóias, essas são de todos: uns ambicionam o lugar do noivo e outros acreditam no papel da noiva.
A imprensa do dia seguinte, diz que nunca houve tantas pessoas a assistirem à missa nas Igrejas portuguesas. Pena é que estejam um bocado enferrujadas!

06/02/08

Entre Razão e Emoção

Eu não sei por onde começa, se pela razão se pela emoção. Se tivermos em conta o princípio dos princípios, o começo é a emoção. É a emoção que nos leva à paixão e, raramente, é a razão que nos transporta à exaltação. Só a razão da emoção nos ensina o caminho e nos permite escolher.
A escolha é racional, o impulso é emocional. O que nos conduz é o impulso, o que nos trava é a razão. O que faz o trilho ou caminho é a junção dos dois. A emoção racional é o que nos separa dos primatas.
Entre António Damásio e Ayn Rand, o Joaquim do Portugal Contemporaneo, diz-nos como. Num dos seus últimos posts tenta alertar para o perigo da manipulação das emoções através do "populismo". Como médico, ele não podia começar a não ser pelo começo: pelo racional. Também como médico ele não podia esquecer os "registos" anteriores à emoção, e que são eles próprios, os portadores da razão.
Uma coisa eu sei. O que faz de nós seres humanos, é a capacidade de lidarmos com as emoções racionalmente consentidas. E aí, eu estou totalmente de acordo com o Joaquim. E é nesse sentido, que não me posso desfazer desta caixa de jóias a que chamamos sentimentos.

01/02/08

Qual é a sua "Graça"?

Expressão antiga para designar o nome de alguém e hoje raramente utilizada, a Graça de alguém pode ser fruto de muita coisa e dar origem a muita confusão.
Quando uma mulher deixa de estar de graças, nasce aquele ou aquela a quem temos de atribuir uma Graça. Independentemente de todas as graças que o ser possa ter ou fazer, há que designar aquele ser por alguma coisa. A tarefa não é fácil.
Durante o tempo que antecede o glorioso evento de "dar à luz", as influências dos que rodeiam o casalinho são tremedas. Por vontade do pai a criança seria Angelina Jolie, para a mãe Brad Pitt, para a avó Mariza como a fadista, para o avô Cristiano Ronaldo e por aí fora. O rol pode ser do tamanho de uma lista de compras de supermercado.
Lembro-me da história da Prantelhana, mulher do povo, que na hora do baptismo perante a pergunta do padre sobre o nome que haveria de dar à criança, o pai terá respondido: "Prante-lhe Ana". Como o sacristão não era dado a estas coisas das literacias, a rapariga ficou registada com a graça de Prantelhana para a vida.
No actual estado de graças, ditos e cochichos não admira que qualquer dia alguém prante Jacobino ou Jacobina a algum dos seus rebentos. E lá virão uma série de Jacobinas da Silva, seguidas do Jacobino Maria mais chique e social.